Há cada vez mais pessoas a colocar o ecrã de telemóvel na escala cinza. Porquê?

31-10-2025

A passagem da televisão a preto e branco para cores foi um verdadeiro acontecimento. O avanço tecnológico, que chegou aos Estados Unidos na década de 50 — mas que em Portugal só foi introduzido em 1980 — representou uma enorme mudança na forma como os conteúdos eram transmitidos e percepcionados pelo público. Os telemóveis seguiram o mesmo caminho mas, agora, várias décadas depois, há quem prefira manter o ecrã sempre na escala cinzenta, sem cores.

Assim, todos os conteúdos aparecem a preto e branco. A configuração pode ser feita de forma manual, ou pré-definida para certos momentos do dia como a hora de dormir. "Quase todos os telemóveis têm e é uma forma de os adaptar aos daltónicos", aponta Ricardo Portugal, médico oftalmologista.

No entanto, esta opção pode também ser uma ferramenta importante para ajudar a reduzir o tempo passado no telemóvel. O aparelho tornou-se um vício que traz problemas a nível de saúde e bem-estar como, por exemplo, a diminuição gradual da capacidade de atenção associada ao scroll constante nas redes sociais, como a NiT já revelou. É difícil largar o telemóvel para nos concentrarmos noutras atividades importantes, seja para trabalho ou descanso.

Para ajudar a contrariar esta tendência, e quem não consegue diminuir sozinho o vício, têm surgido algumas aplicações, ou até jogos, que bloqueiam o aparelho durante alguns minutos ou horas. No entanto, se quer uma forma mais orgânica de reduzir o tempo de ecrã, colocá-lo em escala cinza pode ser a solução.

Assim, sem os conteúdos coloridos e brilhantes, o ecrã torna-se menos viciante. "É menos apelativo, sobretudo em aplicações à base da imagem como o Instagram, o Pinterest, onde a cena vive e há uma maior sensação de prazer. O efeito no WhatsApp é residual", explica o especialista à NiT, fazendo referência a um artigo sobre o tema.

O texto em questão reflete a experiência de uma jornalista que, durante duas semanas, experimentou o truque. "Reduziu o uso do telemóvel, mas o número de desbloqueios foi o mesmo, ou seja, só passou menos tempo no ecrã".

Mas será que o uso excessivo do telemóvel e a perda de saúde ocular estão ligados ao ponto de esta alteração na cor do ecrã ter um efeito real na vista? No caso de pessoas com baixa visão, por exemplo, o uso do ecrã na escala de cinza até pode tornar mais difícil o uso do telemóvel, "porque podem nem conseguir ver o suficiente para ler uma mensagem". Já quem tem sensibilidade à luz, deverá sempre ajustar a luminosidade.

Segundo o oftalmologista, "a luz azul não é tóxica para os olhos, apesar de ser um paradigma há muito difundido". O problema está na forma como o aparelho é utilizado. "A nível ocular o efeito é o mesmo, tem a ver apenas com a distância: quanto mais perto, pior, quanto mais tempo ao perto, pior". E não é só com o telemóvel. "Se tivéssemos gémeos, a fazer a mesma coisa, mas um a ler a Bíblia em papel e outro a jogar no telemóvel, seria igual".

Quer isto dizer que, quanto mais tempo passamos a focar imagens ao perto, maior é o risco de miopia ou outros problemas relacionados com a diminuição da visão. Com o avanço da tecnologia, e o número de horas passadas no ecrã de telemóvel, este é um problema que afeta cada vez mais as gerações mais jovens, a partir dos seis anos.

"Têm de passar tempo a focar ao perto na escola e depois vão para casa, para o telemóvel", refere o especialista, acrescentado: "eu até prefiro que vejam desenhos na televisão porque, pelo menos, não estão a focar tão ao perto".

É recomendado que os mais pequenos sejam acompanhados por um médico entre os três e os quatro anos porque, antes dessa idade, os sinais podem não ser visíveis por não haver uma mudança de comportamento. Depois, deve ser marcada uma nova consulta aos seis anos. Todos os miúdos "devem ser avaliados antes de chegarem ao primeiro ano de escolaridade". Depois disso, nas aulas, ao ler o quadro ou a escrever, eles próprios sentem dificuldades e queixam-se. Os pais e os professores também reparam, sublinha Ricardo Portugal.

Para o especialista, o mais importante é aprender a usar os meios digitais com um fim. "Até porque está provado cientificamente que o maior uso de telemóvel aumenta o risco de perturbações do sono, depressão e em alguns casos o risco de suicídio em jovens".

Destaca que o essencial é a pessoa reconhecer que passa muito tempo ao telemóvel e que tem vontade de mudar. No caso, dos miúdos, os pais devem estar atentos e impôr limite de tempo passado com nos ecrãs. Já para os adultos, colocar o telemóvel em escala de cinza "é uma boa ferramenta e uma forma de conseguirmos controlar as distrações". O médico aconselha também a desligar as notificações para que a atenção não seja desviada.


Ver artigo publicado NIT